RESUMO DO RELATÓRIO ANTROPOLÓGICO DE IDENTIFICAÇÃO E DELIMITAÇÃO TERRITORIAL DA COMUNIDADE TRADICIONAL CHUPÉ
INTRODUÇÃO: Trata-se do resumo do “Estudo Antropológico de Identificação Territorial e de Caracterização Socioeconômica de Comunidades nos Municípios Piauienses da região do Matopiba –Comunidade Chupé –Santa Filomena – PI”, daqui para diante “Relatório” (Processo/INTERPI nº 00071.007250/2020-99, ID 1940848), ora resumido, é de responsabilidade da Antropóloga e pesquisadora Caroline Leal Dantas do Nascimento. Os estudos decorrem da instauração do processo de regularização fundiária instaurado por meio da Portaria/INTERPI nº 129, de julho de 2020.
BASE LEGAL: A primeira vez que o Brasil se reconheceu enquanto um país pluriétnico e multicultural, foi na reformulação da Constituição Federal de 1988, garantindo reconhecimento de direitos a comunidades tradicionais como ciganos, seringueiros, brejeiros, castanheiros, quebradeiras de coco-de-babaçu, ribeirinhos, comunidades de fundo de pasto, faxinalenses, pescadores artesanais, marisqueiras, varjeiros, caiçaras, praieiros, sertanejos, jangadeiros, varzanteiros, pantaneiros, caatingueiros, entre outros. Em consonância com povos e comunidades indígenas e quilombolas, na compreensão e reconhecimento da diversidade sócio cultural que compõe o Estado brasileiro. Esses aparatos jurídicos vieram para reparar e garantir o direito à terra, a cultura e sua diversidade de expressões, outrora suprimidos e negados (pg.07). Após a Constituição Federal de 1988, no ano seguinte, em 1989 foi convocada em Genebra, pelo Conselho Administrativo da Repartição Internacional do Trabalho, a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), em que o Brasil é signatário e certifica o direito das comunidades tradicionais se auto identificarem juntamente ao seu território. Reconhecendo assim o direito de posse e propriedade e prescrevendo medidas protetivas a serem realizadas para salvaguardar estes direitos. Por sua vez, o Estado do Piauí em consonância com tais marcos legais também gerou dispositivos jurídicos que salvaguardam direitos aos territórios tradicionais. Com objetivo de identificar as comunidades, avançando nos processos de regularização fundiária, cria a Lei Nº 7.294/19, em 10 de dezembro de 2019, com objetivo de viabilizar acesso a regularização de terras devolutas dando preferência aos Povos e Comunidades Tradicionais (pag 08). Conclui,
Art. 11º, Parágrafo Único. Serão destinadas às comunidades indígenas, quilombolas e tradicionais as terras públicas e devolutas estaduais por elas ocupadas coletivamente, as quais serão regularizadas de acordo com as normas específicas, aplicando-lhes, que couber, os dispositivos desta Lei (L 7294/2019);
Art. 28º, São considerados povos e comunidades tradicionais, para os efeitos desta Lei, grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupa e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas geradas e transmitidas pela tradição”. (pag 08)
Nessa direção destacamos também o Decreto 6.040/2007 que instituiu a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT) art. 84, inciso VI, onde são reconhecidos enquanto grupos com seus modos de organização social diferenciados, que ocupam e necessitam de seus territórios e recursos naturais para sua reprodução social, econômica e cultural. Sejam eles utilizados de modo temporário ou permanente, utilizando de modo equilibrado os recursos naturais, viabilizando a gerações futuras a possibilidade de permanência, continuidade e, por conseguinte, subsistência às Comunidades tradicionais. (pag 09)
MARCO TEÓRICO: As informações históricas de povos autóctones foram obtidas em Apolinário (2005), acerca dos Akroá; o tema das alianças políticas e de amizade têm suporte em Bombardi (2020); a etnicidade e a ancestralidade foram abordadas a partir de Kopytoff (1971) ePacheco de Oliveira (1998 e 2011); a memória e o esquecimento em Pollak (1989); o território e a territorialidade em Little (2004) e Pacheco de Oliveira (1998); as relações com o meio ambiente em Little (2006) o povoamento do Piauí em Ursini (2020).
METODOLOGIA: O trabalho foi construído à partir de levantamento bibliográfico, pesquisa histórica-documental e estatística prévia da comunidade e região, unindo-se a pesquisa de campo realizada em dezembro de 2020 – período de 5 dias em decorrência da conjuntura de conflito latente encontrada no local. Neste período, a base da pesquisa foi observação participante, combinada a entrevistas com parte majoritária dos membros da comunidade, ou seja, com todos os que estavam ali presentes no período da pesquisa, com ênfase nos guardiões da memória coletiva, ou seja, os mais velhos. Realizando visitas em todas as famílias da comunidade e a todos os locais com significado histórico-cultural (efetivando a identificação em base cartográfica de referências territoriais). Recuperamos um mapa da região, delinearemos seus pontos no trabalho de campo e apresentamos ao final do relatório um mapa com as áreas da comunidade (pg 05). O relatório terá ênfase na formação do grupo e principalmente na sua relação com a territorialidade – assim como aos processos produtivos tais como se desenvolvem atualmente, os laços de parentesco que os unem, suas práticas religiosas e culturais, sua cosmovisão, a maneira como se vinculam ao território. Será também evidenciado a identidade de comunidade tradicional, suas memórias, como interpretam o passado, como constroem a identidade coletiva e a concordância da comunidade ao processo de regularização fundiária iniciada pelo INTERPI e Banco Mundial (pg 05).
MATOPIBA: O município de Santa Filomena pertence à “região instituída MATOPIBA, pelo Plano de Desenvolvimento Agropecuário do MATOPIBA (PDA-Matopiba), representa uma nova fronteira agrícola introduzida no Cerrado. A área compreende uma parcela dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Destinada ao agronegócio, com monocultura de milho e principalmente de soja para exportação, onde a utilização de agrotóxicos e produção em larga escala é uma realidade. Explorando com avançadas tecnologias e buscando níveis máximos de produtividade, a região, que está inserida no bioma Cerrado, cuja biodiversidade de fauna e flora é imensa, sofre um processo de desmatamento nunca antes vivido” (pg 13). O Governo brasileiro promove a região do Matopiba, nessa expansão do agronegócio, através de subsídios que atraem agricultores, fazendeiros da região Sul para esta região, onde encontram incentivos, com preços baixos e etc. Implementando uma agricultura mecanizada, em larga escala com utilização de agrotóxicos. Todavia o impacto que gera é sem precedentes. (pg 13). Na contramão da preservação ambiental, o agronegócio, que também foi sustentado pelo boom dos commodities, repercutiu novas formas de investimento, que era o que buscava o mercado mundial e encontrou na especulação de terras um negócio mais rentável do que a própria produção agrícola, gerando formação de empresas que se dedicavam a compra, venda, arrendamento e administração de terras. Assim reformulou- se um antigo negócio, que se assemelha ao Brasil colônia, com invasão de terras oficialmente do Estado, cercando e expulsando as populações ali viventes com uso de violência, desmatamento, arrendamento de terras e falsificação de documentos de títulos de propriedade forjando legalidade. Prática que nunca deixou de existir no país. Geralmente os agentes que atuam na região recebem apoio de agentes financeiros internacionais que investem grandes fortunas no mercado de terras (pg 15).
AMBIENTE: O município de Santa Filomena está situado na microrregião do Alto Parnaíba, cujo bioma é o Cerrado. Encontra-se em uma área de 5.285km2, na mesorregião do Sudoeste piauiense, há 905km de distância da capital Teresina. Localizada nas margens do rio Parnaíba, com a cidade de Alto Parnaíba – MA na outra margem do rio. O município de Ribeiro Gonçalves ao norte, Gilbués ao sul, a oeste com o estado do Maranhão e a leste com Gilbués, Baixa Grande do Ribeiro e Ribeiro Gonçalves. Santa Filomena começa como povoado em 1854 e torna-se município em 1938, contando atualmente com 6.254 habitantes no último censo do IBGE (pg15). Segundo dados da Confederação Nacional dos municípios (CNM), a cidade se encontra a 282 metros de altitude, nas seguintes coordenadas geográficas: Latitude: 9° 6′ 44” Sul, Longitude: 45° 55′ 20” Oeste. Os primeiros a habitarem das terras que hoje são o município de Santa Filomena, foram os índios Cheréns, que foram expulsos pelo coronel José Lustosa da Cunha, em meados de 1858. Foi elevada inicialmente a categoria de vila de Santa Filomena, se desvinculando de Parnaguá (dados do IBGE). Atualmente a cidade conta com uma escola de ensino médio e 14 escolas de ensino fundamental (em 2018). No censo de 2020, foi declarado 95% da população de religião católica apostólica romana (pg16). A agricultura realizada no município é baseada na produção sazonal de arroz, feijão, mandioca, milho e soja. O clima na região do município de Santa Filomena é tropical subúmido quente, com período seco de 5 meses, com temperaturas que variam entre mínimas de 20°C e máximas de 36°C, com os meses de dezembro, janeiro e fevereiro mais úmido (pg 16). A vegetação conglomera parques, campo cerrado e cerradão. Os recursos hídricos são os rios Parnaíba, Taquara, Uruçuí Preto e Uruçuí Vermelho. Os solos da região, provenientes da alteração de arenitos, siltitos, folhelhos, conglomerado, calcário e silexito, são espessos, jovens, com influência do material subjacente, compreendendo latossolos amarelos, álicos ou distróficos, textura média, associados com areias quartzosas e/ou podzólico vermelho-amarelo concrecionário, plíntico ou não plíntico. A vegetação é de fase cerrado tropical subcaducifólio, mata de cocais” (Jacomine et al, 1986 apud Aguiar & Gomes 2004) (pg 16).
OCUPAÇÃO DO ESTADO DO PIAUÍ: O século XVIII foi marcado por guerras e ocupações em todo o Nordeste, incluindo a região atual do estado do Piauí. Terra ocupada por diversas etnias indígenas, ainda assim foi considerada pelos colonos portugueses como “terra de ninguém”. Após o término da guerra entre holandeses e portugueses, meados do século XVII, o Nordeste brasileiro sofreu um processo de expansão das frentes pecuaristas pelos sertões (Negreiros Oliveira, 2011: 217), repercutindo assim em diversas guerras e conflitos entre os portugueses e povos indígenas da região. Em 1759 foi nomeado o primeiro governador para administrar o Piauí, o João Pereira Caldas, sendo considerado inimigo dos índios e jesuítas, por persegui-los desde o início do seu governo. (pg 09) Fernanda A. Bombardi (2020) recupera em seu trabalho o desafio que foi para os colonos conquistarem as áreas que margeavam o rio Parnaíba, devido a habitação de bravos povos indígenas. Foram travadas consecutivas guerras e várias estratégias de desmobilização desses grupos (pg 10). Os colonizadores portugueses denominavam uma diversidade de grupos indígenas da região, enquanto tapuias. Distintos entre si em se tratando de matriz linguística e hábitos culturais, eram assim nomeados na busca em dar uma certa unidade aos povos indígenas que faziam oposição à colonização (Bombardi, 2020: 44). Parte do projeto de colonização era renomear e dividir os povos indígenas afim de separá-los e distingui-los basicamente entre inimigos ou aliados. (pg 10) Essas áreas eram povoadas por diversas etnias indígenas, que foram renomeadas, como mencionado, pelos colonos portugueses afim de descaracterizá-las de suas diferenças e especificidades, definindo-os como gentios ou rebeldes, aliados ou inimigos. A área que nos atentaremos no presente relatório será nas proximidades do Rio Parnaíba, onde margeia com Santa Filomena, na parte sul do estado, para contextualizar a área na qual trabalhamos (pg 11). O cenário do Estado do Piauí desde sua inicial ocupação, foi profundamente marcado por conflitos e pelas resultantes de tais conflitos (entre povos indígenas e portugueses), como recapitulado acima. Entretanto, até recentemente, o estado do Piauí não possuía áreas de territórios tradicionais, indígenas e quilombolas regularizadas. Estes conflitos históricos ainda reverberam e favorecem ao modo como se invadem as terras, praticam grilagem e ao desprezo pela presença dos povos ali viventes, ou seja, o modus operandis colonial, em certo sentido, ainda configura uma referência de atuação. Sob à luz da ótica de ocupar “terras de ninguém”, a favor de um desenvolvimentismo, muitas vezes, o Estado acaba amenizando e viabilizando indiretamente a presença de grileiros e fazendeiros na região (pg12).
COMUNIDADE CHUPÉ: A comunidade Chupé dista 97 km da cede municipal, Santa Filomena, a 4 km da comunidade Barra da Lagoa e 15 km da comunidade Brejo das Meninas (pg 17). O nome que recebe a comunidade Chupé deriva do Guaxupé ou xupé (Trigona hyalinata) que refere-se a uma espécie de abelhas silvestres, de cor negra, sem ferrão, comum na região (pg 18). A Comunidade Chupé se reconhece, é reconhecida e autodefine enquanto Comunidade Tradicional Brejeira, onde se subdivide em Chupé de baixo e Chupé de cima e é atravessada pelo brejo, indo até o início da serrinha, ou serra do Chupé/Fortaleza. A Chupé de baixo é habitada por 8 famílias em 6 casas e a Chupé de cima por 7 famílias em 4 casas, totalizando 12 famílias, somando 46 moradores, incluindo as crianças (pg 18 e 19). A comunidade ali existe há mais de um século (pg 20). A partir dos relatos do Sr. Jovecino, é observado que as memórias sobre seus antepassados, sobre a chegada do seu avô no território apresenta características próprias das lembranças. Em uma tradição oral a narrativa das memórias nem sempre mantem uma linearidade sobre os percursos (pg 20). O mesmo informante qualificado “ relata que tem parentesco com o povo indígena Gamela, do Vico e 7 Lagoas, pois seu avô, primeiro morador do Chupé nasceu em Sete Lagoas, no entanto, não recorda precisamente de que parte essa ancestralidade seria” (pg 20). Outra pessoa importante na comunidade é o senhor José Gracia, filho de Sr. Valdemiro Caetano Lopes e Hermínia Evangelista dos Santos que chegaram depois dos pais do Sr. Jovencino e que junto com este formam atualmente as duas famílias mais antigas da comunidade (pg 23), juntos eles cumprem “ o papel de condutores do saber dos antepassados, unem as próprias experiências de vida, sendo capazes de gerar reflexão, orientação a partir das histórias de vida e dão, portanto, continuidade as histórias orais do grupo” (pg 23). Relataram que em 1988 o INTERPI esteve por lá e forneceu um título provisório às familias de Chupé de Baixo e que em 2010 retornou relizando um trabalho de georeferenciamento, que segundo eles seria para o fornecimento do título definitivo, porém nunca mais retornaram (pg 24). O serviço educacional é oferecido nas comunidades vizinha de Santa Fé e Brejo da Meninas (ensino fundamental), sendo preciso deslocamento diária por conta própria (não há o serviço de transporte escolar) ou as crianças permanecem toda a semana nestas comunidades. Quanto ao ensino médio, só existem 2 escolas na sede do município, sendo necessário os educandos se mudarem para a cidade, onde ficaram em casa própria (apenas quatro familias possuem casas na cidade) ou em casas de parentes ou conhecidos, realizando trabalhos domésticos em troca da habitação (pg 27). Recebem visita mensal de uma assitente social e não possuem em nem uma das comunidades circuvizinhas posto de saúde, apenas na sede do município (pg 27). A comunidade Chupé passou a ter energia em 2019 (pg27), como fruto da visibilidade provocada pela participação no “Coletivo de Povos e Comunidades do Cerrado Piauiense”, composto por diversas comunidades tradicionais do município e entorno, assim como da CPT e da UFPI (Laboratório do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia) que já produziu uma série de documentos tratando da realidade, dos desafios e problemas enfrentados por estas comunidades (pg 28). A comunidade possui 3 poços tubulares. É importante ressaltar que ademais da distância para a sede, os moradores desta comunidade informam sobre a dificuldade de registrar ocorrencias na Delegacia de Polícia em casos de queimadas propositais, ameaças individuais, abusos e/ou violações de direitos (pg 29).Apesar dos desafios enfrentados para frear o avanço da ocupação das terras, os moradores estão formando com essas denúncias e mobilizações uma espécie de “banco de dados” de registros das ocorrências, ampliando assim suas vozes, mobilizando parceiros, utilizando novas plataformas, como a internet, tornando público as circunstâncias (pg 29). Segundo os moradores, desde meados de 2015/2016 a área do Chupé de cima e em cima da serra vem sendo invadida por um fazendeiro chamado José Augusto Phillipsen, mais conhecido por “Guto” e desde então a comunidade enfrenta desafios para a utilização do território para a sua sobrevivência. Relatam que foi um grileiro na região, chamado João Avelino que vendeu as terras irregulares para José Augusto, que por sua vez segue invadindo outras áreas afim de ampliar suas áreas de ocupação. A comunidade Chupé se encontra entre a serra, a comunidade Barra da Lagoa e a reserva do IBAMA, a Estação Ecológica de Uruçuí-Una, que também está nas margens do Riozinho (pg 32). A comunidade Chupé se estrutura sob duas famílias extensas, uma descende do morador mais antigo da comunidade, o avô do Sr. Jovecino, o Sr. Pedro Pereira de Oliveira e o outro do pai do Sr. Gracia, o senhor Valdemiro Caetano. E essas duas famílias se integram a partir do casamento de José Gracia com Miraci, a prima cruzada do Sr. Jovecino, filha de sua tia paterna (pg 35). O trabalho é dividido por todos os moradores, mulheres e homens trabalham na roça, com exceção de Dona Almerinda, que passou a trabalhar na escola em Brejo das Meninas, mas que continua produzindo doces de buriti, de leite, cajuína (pg 37). Atualmente o transporte predominante na comunidade é a motocicleta, no entanto os moradores relatam que anteriormente utilizavam animais ou bicicletas para ir à cidade levando dois dias ou 8 horas respectivamente para chegar na sede municapal, nas motos o percurso é de 3 horas (pg 39). Em relação à produção agropecuária “as famílias trabalham plantando arroz, feijão, fava, milho, algodão, mandioca” seguindo a sazonalidade das culturas (pg 40). Fazem roças de broca e queima itinerante em que respeitam o retorno ao cultivo “onde a capoeira é de 5 anos em barro e 10 anos na areia (pg 40)”. Na região dispõem de árvores nativas com os frutos do buriti, bacaba, puçá, pequi, mangaba, aricatu, cagaita, catolé, piaçava. Também é possível encontrar mel das abelhas cupira, uruçu, europa. Além das árvores frutíferas do cerrado, as famílias cultivam manga, caju, laranja, limão, banana (pg 40). O uso do Buriti é predominante em todas as casas da comunidade, onde através da extração do buriti é feito óleo, a sambica (suco), a rapa (buriti seco), que é comido com farinha de mandioca, fazem também o bolo do buriti (doce), a polpa e também sabão. Além disso, a palha do buriti é utilizada para confecção de cestos e utensílios, como a cola (cesto de coletar arroz), o tapiti (feito para enxugar a massa da mandioca) e a arupemba (peneira de palha de buriti). Com o algodão produzido realizavam o tear de redes, onde todo os instrumentos para sua confecção, o tear e os pentes de palha, eram feitos em madeira e palha de buriti para trançar as redes (pg 40). Em geral produzem primeiro para consumo da casa e vendem os excedentes, muitas vezes dentro das comunidades circunvizinhas, principalmente devido a logística de transporte e distâncias. Com isso é possível gerar renda para compra de outros itens que necessitam, como óleo, café, açúcar e assim por diante. Alguns moradores possuem gado bovino que produz o leite para consumo e para fazer doce de leite. A maioria possue galinhas soltas no quintal, com as quais contam com os ovos para alimentação familiar (pg 40). É importante ressaltar o conhecimento tradicional dos mais velhos que buscam através da oralidade transmitir para os mais novos, como se observa no caso das abelhas e aves: “as abelhas encontradas na região são a tataíra, abelha caga fogo, abelha tubi, chupé, a europa, a cupira (que dá no cupim), “inclusive é época dela dar mel é agora, gosto de tirar pra mostrar a meu neto como preservar”(Sr. Jovecino). Dos pássaros que habita a região Jr. Jovecino e seu neto brincam de lembrar os nomes, já que são muitos, “temos a curica sura, curica, papagaio, periquito kroa, xereré, vassourinha, picapau branco, o da crista vermelha, rolinha, pato perdiz, lambu, caburé, coruja, jacu, bem-te-vi, arara vermelha, azul, amarela (…) (Yude, 11 anos)”(pg 41). Da mesma forma quanto às plantas medicinais: “gameleira, utilizada para verme, “para corar”, ou seja, suprir o ferro, a mangaba é utilizada para gastrite, pneumonia, hemorroidas, a planta “quebra-pedra”, para expelir cálculo renal, fazem uso do podó- copaíba, babosa, sucupira, folha larga, batata de pulga e urucum (pg 41). Em relação à comercialização dos produtos excedentes “um dos maiores desafios para a comunidade é dar vazão a sua produção, inclusive as hortas são feitas nas próprias casas para uso familiar. A dificuldade nos transportes desmotivam, inclusive, a criação de uma associação própria da comunidade. Ainda que tenham esse plano futuro mantido. Citam ainda a “falta de incentivo local, segundo eles, da prefeitura, que não insentiva aos agricultores levarem seus produtos à cidade de Santa Filomena”(pg 41). Citam ainda como produtos com potencial de comercialização os artesatos a base de buriti e outras fibras, assim como as redes produzidas na comunidade com algodão local (pg 42). Também foi relatado pelos moradores a entrada de forma ilegal nas áreas de baixão da comunidade Chupé, que eram destinadas ao pastoreio do gado e das novas roças principalmente dos jovens da comunidade. Essa ação aconteceu em 2016. Na sequência o invasor fez uma grande derrubada e uma queimada, que ficou sem controle e entrou por todo brejo matando uma grande quantidade animais silvestres. Os moradores afirmam que após este incêndio e somado ao desmatamento, a água do brejo secou, as áreas de roças começaram a ser atingidas por pragas que não haviam antes além da contaminação das águas por conta dos agrotóxicos (pgs 42, 47 e 53).
CONCLUSÃO E DELIMITAÇÃO: Com base nos levantamentos e análises efetuados para a identificação do território reivindicado pela comunidade tradicional Chupé, para sua permanência e reprodução como grupo etnicamente diferenciado, o Relatório indicou, em conjunto com a comunidade a delimitação de uma área de 1.723,7 ha (pgs 56, 74), conforme o Memorial Descritivo e a Planta anexados e que é proposto para a comunidade Chupé para fins de regularização fundiária.