GOVERNO DO ESTADO DO PIAUÍ
INSTITUTO DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA E PATRIMÔNIO IMOBILIÁRIO DO PIAUÍ – INTERPI-PI
Diretoria de Povos e Comunidades Tradicionais – INTERPI-PI
INTRODUÇÃO: O Relatório de Identificação e Delimitação do Território Tradicional – RIDT da Comunidade Quilombola Tanque de Cima, com processo no INTERPI nº 00071.005738/2019-48, daqui para diante chamado RIDT, foi elaborado por equipe do INTERPI sob a responsabilidade técnica da Cientista Social, Consultora/Interpi Antonia Maria Alves Lima e a parte agroambiental foi elaborada pela engenheira agrônoma também consultora/INTERPI, Simone Raquel Mendes Oliveira. O presente resumo foi elaborado por Antonia Maria Alves Lima. No RIDT, a Comunidade Quilombola Tanque de Cima descreve o seu ambiente e a sua história, se situando como remanescentes das comunidades dos quilombos, certificada como tal, pela Fundação Cultural Palmares, no ano 2006 (Id:.011290136).
BASE LEGAL: O trabalho apresentado tem como base legal o disposto no Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT)` da Constituição Federal de 1988, que garante aos remanescentes das comunidades dos quilombos a titulação de seus territórios; Fundamenta-se ainda no que preconiza a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. O trabalho também toma como base a legislação própria do Estado do Piauí: Lei Estadual nº 5.595/2006, no Decreto Estadual nº 14.625/2011 que regulamenta a Lei 5.595/2006; na Lei Estadual nº 7.294/2019 que dispõe sobre a política de regularização fundiária do Estado do Piauí, revoga dispositivos da Lei nº 6.709, de 28 de setembro de 2015 e decreto estadual nº 22.407, de 12 de setembro de 2023 que regulamenta a Lei nº 7.294, de 10 de dezembro de 2019 e revoga o Decreto nº 21.469, de 05 de agosto de 2022.
MARCO TEÓRICO: Como núcleo básico dos temas abordados no RIDT e bibliografia correlacionada, têm-se concepções de quatro categorias principais: Comunidade tradicional, Etnicidade, Identidade e Território, que se interligam entre si. Tais categorias são abordadas e relacionadas sob a perspectiva de diversos autores: ALMEIDA, A. W. (2002, 2004); LITTLE, Paul E. (2002); OLIVEIRA, R. C. (1976), CLIFFORD, J. A (1988); BOAVENTURA (2005) e BRASIL (Constituição (1988)). Além dessas categorias sob viés sociológico/antropológico, foi feita abordagem histórica e sociológica sobre a formação do Piauí e a sua relação com a escravidão com base nos autores: COSTA, F. A. (1974); FURTADO, 2002 e FREIRE, (1994).
METODOLOGIA: A construção do RIDT foi feita através do diagnóstico participativo rural (DRP), com uso de diversas técnicas de levantamento de dados coletivos e individuais como realização de oficinas, caminhadas de reconhecimento do território, observação participante (do modo de vida, das atividades culturais, produtivas, sociais, etc.) e entrevistas. Isso possibilitou que a comunidade participasse efetivamente de seu próprio diagnóstico a partir das. percepções e memórias individuais e coletivas e refletissem sobre a situação atual e sobre como pretendem estar no futuro. Para essa construção foram utilizados vários momentos como reunião de consulta informativa Id: 2402554; discussão sobre a delimitação do território, cujo perímetro foi alterado entre a delimitação feita pelo INCRA em 2004 e a delimitação feita pelo Interpi em 2023 (Id:.011268885); levantamento de campo (dados primários) realizado no período de 15 a 19/11/2023, além do georreferenciamento e cadastramento das famílias que também subsidiam o RIDT. Os dados secundários foram obtidos a partir de pesquisa bibliográfica e pesquisas em sites de instituições públicas como IBGE e outros.
AMBIENTE: A comunidade quilombola Tanque de Cima está situada na data sitio, na região do semiárido, de bioma caatinga apresentando temperaturas elevadas, baixa amplitude térmica e chuvas escassas e mal distribuídas, com longos períodos de estiagem. A comunidade pertence territorialmente ao município de Acauã, que compreende uma área total aproximada de 1.279,59 quilômetros quadrados (km²) tendo como vizinhos os municípios de Paulistana, Betânia do Piauí e Afrânio – Pernambuco. Acauã se situa a 11 km a Sul-Leste de Paulistana, a cidade mais próxima nos arredores, da qual foi desmembrado. Mas, a comunidade Tanque de Cima fica situada a cerca de 30 km da sede do município de Acauã, ao tempo que fica bem próxima, cerca de 12 km, do município de Afrânio, em Pernambuco e, portanto, possui maior relação de comércio e lazer com Afrânio. Os municípios de Acauã e Paulistana são acessados mais para serviços ligados a políticas públicas e acesso a órgãos e instituições como bancos, fóruns, etc.
EMPREENDIMENTO DE INFRAESTRUTURA: Foi relatado a existência de empreendimentos de grande porte atuando ou impactando no território da comunidade, que é a passagem da linha de distribuição de energia BAHIA-PIAUÍ, na qual foram feitas rodadas de negociações com a empresa responsável por atuar nas medidas mitigatórias e compensatórias e ao fim chegaram no seguinte acordo: a reforma da sede da associação, a construção de banheiros para a Igreja e o fornecimento de óleo diesel para máquina que fará a limpeza do açude da comunidade. Observa-se atualmente a sondagem de outros empreendimentos para instalação de energia eólica em áreas dentro do território da comunidade.
COMUNIDADE QUILOMBOLA TANQUE DE CIMA: A história da comunidade foi reconstituída através das entrevistas com os idosos e das conversas informais no período que as pesquisadoras ficaram instaladas na comunidade, mas, principalmente através das lembranças e histórias do senhor Melquíades Júlio de Lima, conhecido como “tio Bel”, um dos descendentes mais antigos dos fundadores e detentor do conhecimento geral da comunidade. De acordo com a história narrada, a comunidade Tanque de Cima teve início com a chegada de um casal de escravos fugidos da fazenda Zumba, município de Cachoeira no estado de Pernambuco. Esse casal eram sr. Raimundo, conhecido como Raimundão e dona Antônia, bisavós de “tio Bel”. Segundo o relato, eles fugiram da fazenda, por volta de 1871 e ao chegarem na região, se informaram com um fazendeiro chamado Geraldo Pereira sobre o local onde poderiam ocupar e este informando dos limites de suas terras indicou a área do tanque de cima como local que poderia ser apossado por eles. A partir daí, a localidade/comunidade ficou conhecida como Tanque de Cima. Nesse local o casal se estabeleceu, construiu sua casa e teve oito filhos, sendo que o primeiro filho era do fazendeiro, “dono” de Antonia, a qual fugira grávida de “seu senhor”. De acordo com “tio bel” dentre esses filhos tinha Dona Arcanja, vó de “tio Bel”, a matriarca e ancestral direta da maioria das famílias que hoje ocupam o território Tanque de Cima. Seguindo a narrativa, “tio Bel” esclarece que por volta de 1930 as terras foram divididas entre os oito filhos e anos depois cinco deles foram embora. E por volta da década de 1970, herdeiros dessas terras dividiram suas partes e as venderam. Na atualidade, apesar de existirem pessoas que não pertencem a ramificação da família de Senhor Raimundo e Senhora Antônia, a maioria dos moradores da comunidade pertence à essa família. Atualmente fazem parte do território 77 famílias e uma população de 216 pessoas (dados do cadastro Id: 9330817). Existem 62 casas e a maioria é feita de tijolos, telhas de barros e pisos de cimento e possui banheiros e fossas sépticas. A comunidade possui estradas carroçais construídas pelo poder público municipal e, segundo a avaliação dos moradores tem uma qualidade regular a ruim e não há uma manutenção regular dessas estradas. Não há linhas de transporte exclusiva da comunidade para o município, mas há um veículo (F4000) que desloca as pessoas da comunidade Sítio e passa pelo Tanque de Cima para a cidade de Afrânio no dia de feira. Mas, o principal transporte utilizado pelos comunitários é a motocicleta. A energia elétrica chegou à comunidade por volta de 2007, através do programa Luz para Todos, e é distribuída em toda a comunidade em rede monofásica e trifásica. A energia foi considerada relativamente boa, mas que costuma faltar no período das chuvas. A água é um recurso natural de extrema importância para o desenvolvimento da comunidade e tem diversas origens dependendo do uso que é dado a mesma. Por exemplo, a água para consumo humano é obtida no dessalinizador instalado na comunidade. A água para os animais e outros fins é obtida através de barreiros, cisternas de placa, carros pipas e em alguns casos pelo uso da água salina do poço que abastece o dessalinizador. A comunicação se dá através de internet que existe na maioria das casas. Não há posto de saúde na comunidade, o atendimento da população é feito no posto de saúde instalado no posto fiscal há 19 km. Para atendimentos de especialidades vão para o município de Paulistana, ou Picos. A outra alternativa é o atendimento particular no município de Afrânio (PE), onde também recorrem em casos de emergências. Com relação à educação, existe uma escola de ensino fundamental fase 01 dentro da comunidade, mas os alunos do ensino fundamental fase dois e ensino médio são deslocado para a comunidade Barra das Melancias, comunidade próxima ao território. E o transporte utilizado é o pau-de-arara. Não se observou atividades culturais como capoeira, candomblé, etc., apesar de, nas oficinas, terem citado que antigamente existia, mas se perdeu ao longo do tempo. A religiosidade é manifestada principalmente através da religião evangélica e católica. No centro da comunidade estão construídas as igrejas católica e evangélica; a sede da associação; campo de futebol; escola; oficina; bares e sistema de abastecimento de água. Há uma associação que representa a comunidade perante as instituições e organizações governamentais e não governamentais e busca por melhorias, porém, reclamam que nem todas as famílias tem interesse em participar. Não entendem a importância dessa organização para o desenvolvimento de todos. A principal atividade econômica é agricultura familiar: o cultivo de roça (feijão, milho, abóbora, melancia, batata doce, maxixe, gergelim) e criação de animais, principalmente o caprino. Mas, observa-se o surgimento de plantios de frutíferas em maior escala. As áreas de cultivo são preparadas, na maior parte, por meio da aração e gradagem do solo por meio de trator e ou por tração animal, este último por meios próprios e o primeiro pagando trator de outras comunidades ou do poder público municipal.
DELIMITAÇÃO E CONCLUSÃO: A delimitação da comunidade Tanque de Cima teve início com o INCRA, que apesar de não ter realizado o RIDT e o cadastro de famílias, tinha feito o georreferenciamento no ano de 2004, cujo mapa foi apresentado à comunidade (Id: 0035905, pág. 02). Apesar dos moradores terem concordado que na época do INCRA a delimitação teria sido àquela, na atualidade, depois de quase 20 anos, a realidade era outra. Segundo eles, uma determinada área do mapa do INCRA fora vendida para um não quilombola e este já havia registrado a terra e, portanto, decidiram retirar essa área do mapa, resultando na delimitação apresentada nesse relatório (Id: 011268885). Assim, a atual delimitação do território da comunidade Tanque de Cima, com base nos levantamentos e análises da área indicada pela comunidade corresponde a área total de 571,2730 ha, com perímetro de 10.870,530 m. O mapa e respectivo memorial descritivo do perímetro e da área do território reivindicado pelos remanescentes das comunidades dos quilombos tem como responsável técnica Luara Laíde Furtado Nogueira. Crea nº 191868811, os quais estão inseridos no processo/INTERPI nº 00071.005738/2019-48, Id’s: 9296237 e 9296404, respectivamente.